Eu sou de uma época em que as coisas eram muito diferentes do que são agora. Não sei se foi o entorno que mudou radicalmente em três décadas, se fui eu que me tornei ranzinza ou ambas as coisas. O fato é que quando eu estava na idade entre os 14 e os 21 anos, não havia nichos definidos culturalmente. Até tinha divisões entre pessoas que gostavam de pagode, sertanejo e rock, mas neste último não ocorria subdivisões significativas, pois alguns amigos eram punks, skinheads, head bangers, grunges, death bangers etc. Assim, como a maioria ainda estava buscando pertencer a algum grupo com o qual mais se identificasse. Desse modo, na casa de uma pessoa ouvíamos heavy metal, em outra era mais classic rock, de repente algo inusitado, mas a certeza é que neste período não tinha nenhuma restrição a estilo musical, afinal, havia um turbilhão de bandas aparecendo e sendo descobertas, que era quase impossível acompanhar.
Neste ínterim, eu e alguns amigos formamos um trio para tocar punk rock, pois naqueles dias estávamos ouvindo bastante bandas como Garotos Podres, G.B.H., Ramones estava em alta, Dead Kennedys, The Exploited, Ratos de Porão, entre muitas outras. Escrevi umas letras xingando o governo, a polícia e o capitalismo (típico da época), criei alguns riffs imitando as bandas citadas e começamos a ensaiar no meu quarto com algumas peças de bateria, uma guitarra emprestada e o meu contrabaixo. Dificilmente tocávamos uma música do começo ao fim sem erros grotescos, afinal, os músicos que me acompanhavam estavam recém aprendendo seus instrumentos e sequer se esforçavam neste sentido. Mesmo assim, por galhofa, aceitamos um convite para participar de um evento de uma banda local chamada Agressive Skate. O líder da banda estava de aniversário. Alguns amigos compareceram e levamos para o palco todo aquele caos dos nossos ensaios.
A existência da Striknina se resumiu a isso, mas representou aspectos muito mais profundos da mentalidade da época. O movimento punk teria surgido no Reino Unido no ano de 1977, tendo como estopim o lançamento da banda montada por um dono de lojas de moda e outros acessórios chamado Malcom McLaren, o Sex Pistols. Porém, a sonoridade do movimento punk em si teria supostamente sido influenciada pela passagem dos Ramones pela Inglaterra. Esses fatos não teriam muita importância para nós na época, pois o “sentimento” punk que alimentávamos tinha mais a ver com a necessidade de se rebelar contra o que parecia ser o status quo social dominante, onde jovens teriam que frequentar a escola para sofrerem lavagem cerebral e se tornarem cidadãos pacíficos e úteis como mãos-de-obra. Portanto, estudar, trabalhar e seguir as modinhas da juventude era o oposto do que deveríamos fazer como movimento de oposição ao sistema.
Não sei ao certo quem teria posto este tipo de ideologia em nossas cabeças adolescentes, mas isso foi realmente poderoso. Nos deixou cegos para muitas possibilidades, afinal, buscar se isolar em um grupo e considerar aspectos importantes da vida como instrução e profissão uma espécie de castigo inevitável não era algo saudável. Ademais, isso acabava sendo muito superficial, pois todos tinham que trabalhar para se sustentar e ter alguma dignidade. O que ajudava era a grande quantidade de empreendimentos informais que contratava adolescentes maltrapilhos para trabalhar por temporadas. Lembro que durante os dias úteis, quando empregado e trabalhando, ficava o tempo todo pensando em como seria o final de semana, aonde iria e com quem. Raramente a expectativa era recompensada com um programa legal para fazer.
É comum pensarmos que a perspectiva das pessoas no entorno são a representação da realidade quando somos jovens. Entretanto, ninguém imaginou que uma década depois o mundo mudaria radicalmente, as cartas se transformariam em e-mails, as chamadas telefônicas passariam a serem feitas também com vídeo e de graça, a música seria consumida em streaming e não mais em LPs e CDs, os fanzines se tornariam blogs e tudo o mais. Porém, muita gente já estava preparada para isso e saiu na frente, enquanto aqueles que se sentiam rebeldes e marginalizados acabaram por chegarem atrasados e precisarem correr atrás do prejuízo. Mas tudo faz parte do amadurecimento e costuma ser como deve ser. Assim, este período, embora pudesse ser considerado ruim, foi uma época muito divertida e geraram boas lembranças.
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Sobre o autor
Kako Ramos é músico, compositor, produtor musical e professor. Tocou nas bandas Dog is Dead, Striknina, Desaster, Desecrate, Evocation, Dallas, Spellbound, In Pace, Shekinnah, Waiftown, Xaparraw, Khramus e Heavinna. Escreveu para heavinna.blogspot.com, TopBuzz, e Canal Seratonina. Ministra aulas particulares de teoria musical, guitarra, contrabaixo elétrico e produção musical.
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